quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

Na minha primeira contribuição a essa pagina, decidi continuar a discussão levantada por meu caro colega Cristian Arão, por reconhecer a importância primordial do assunto da propriedade.
Em seu texto Arão expõe a rivalidade entre Marx e Proudhon através da visão deste último sobre o socialismo-científico ou o que ele achou conveniente intitular de “comunismo autoritário”. Optei - e a justiça e utilidade de minha decisão será notada por todos - em expor o outro lado da questão.

Em sua a Annenkov, Marx afirma:
“O Sr. Proudhon não lhe dá uma falsa crítica da economia política porque possua uma filosofia ridícula, mas dá-lhe uma filosofia ridícula porque não compreendeu o estado social atual na sua engrenagem, para usar uma palavra que Sr. Proudhon vai buscar a Fourier, alias como muitas outras coisas” (Marx, Miséria da Filosofia, 3ª ed, 175, centauro editora)
Isso se patenteia nas valorosas citações de Proudhon transpostas por nosso colega Cristian:
"A propriedade permanecia sempre uma concessão do estado, único proprietário natural do solo, como representante da comunidade nacional. Assim fizeram também os comunistas: para eles o indivíduo foi suposto em princípio, ter do estado todos os seus bens, faculdades, funções, honras, mesmos talentos etc. Não existiu diferença senão na aplicação. Por razão ou por necessidade, o antigo estado encontrava-se mais ou menos tomado; uma multidão de famílias, nobres e burguesas, saíram mais ou menos da divisão primitiva e formaram por assim dizer, pequenas soberanias no seio de uma maior” (retirado do blog)
De um salto mortal na história Proudhon faz aparecer a nobreza e, paralelamente a ela, de forma tão mística a ponto de surpreender toda uma idade, a burguesia, mais ou menos da divisão primitiva, para formarem pequenas soberanias no seio de uma maior.
Proudhon não se preocupa em investigar como isso aconteceu, pois se o fizesse veria que isso nunca se processou, se não no interior de sua cabeça. Alias, era só o que se processava nela que o importava. Pelo menos é o que parece quando se tem em vista essa sua débil exposição sobre o aparecimento das classes possuidoras, onde nobreza e burguesia nascem assim ao sabor do acaso, nem sequer distinguindo o aparecimento da burguesia do aparecimento de uma classe perante a qual ela é tão revolucionária.
“Ricardo mostra-nos o movimento real da produção burguesa, que estabelece o valor. O Sr. Proudhon, abstraindo desse movimento real, “agita-se afanosamente” para inventar novos procedimentos a fim de organizar o mundo de acordo com uma fórmula pretensamente nova e que não passa da expressão teórica do movimento real existente e tão bem exposto por Ricardo” (Marx, ibidem, 45)
Como vimos nas palavras de Marx, Proudhon não se preocupa com a vida real da sociedade. Para ele o que importa como bom filosofo idealista que sempre foi, são as suas fórmulas ideais, cheias de brilho e totalmente ilusórias. E por isso mesmo nunca conseguiu fazer mais do que dar nova roupagem pomposa ao que já se desenvolvia com suas necessárias mistificações, sem o auxilio de nenhum filosofo imbuído em embelezá-la. Note-se que para isso eram suficientes os economistas burgueses e toda a sua parafernália ideológica apologética.
Para a melhor informação do leitor o que se desenvolvia era o modo de produção burguês com sua necessária permuta individual de mercadorias. Que Proudhon, como todo “bom burguês” obstinado e decidido em manter seu regime social sem as necessárias e nefastas conseqüências que ele causa, como a miséria crescente das massas e, sobretudo, das massas operárias, nunca propôs superá-la. Propôs sim encontrar o seu necessário equilíbrio.
É daí que decorre a rivalidade entre os dois filósofos do século XIX, precisamente de Proudhon propor superar as coisas somente no interior de sua própria cabeça enquanto Marx sempre propôs superá-las pela práxis.
, enquanto Marx sempre propôs superá-las pela práxis. Por não compreender a necessidade histórica de determinada forma que assume a organização social, Proudhon foi incapaz de compreender a necessidade de sua superação. Não acreditava então na superação do regime burguês, e essa infertilidade de esperanças revolucionárias resultou inelutavelmente em sua negação a qualquer atividade política. O que contrastava gritantemente com a vida política agitada de seu rival alemão e líder da Associação Internacional dos Trabalhadores, Karl Marx.
Ainda sobre a incompreensão de Proudhon sobre o processo do movimento real da sociedade, sobre a necessidade e inevitabilidade de tal ou tal forma social suceder uma outra e não uma qualquer. É mister desmistificar a inteiramente falsa e pueril exposição de nosso filosofo francês sobre o surgimento da nobreza e da burguesia. Cumprirei essa tarefa expondo, ainda que em poucas palavras, o processo que culmina inevitavelmente no aparecimento de uma nova forma da organização social, surgida das ruínas de outra.
É por demais sabido que as primeiras sociedades humanas existentes viveram sobre bases totalmente distintas das nossas atuais. Em pequenas aglomerações tribais, desconheciam qualquer forma de indústria desenvolvida, e mesmo a artesanal, que surge nesse tempo devido a necessidade inexorável do homem de satisfazer-se. Essas primeiras comunidades são as sociedades comunistas primitivas. Nessas bases onde se desconhecia a propriedade privada, as relações entre os homens eram as chamadas relações gentílicas, onde se desconhecia a exploração, o domínio do homem sobre a mulher e qualquer forma de violência contra o seu semelhante. Porém, essas relações se exprimiam estritamente no solo arenoso das comunidades primitivas, onde as barreiras tribais eram a barreira mais forte do que qualquer fronteira nacional moderna. Para além dessas, os contatos inter-tribais - que não eram poucos - eram baseados no choque e se caracterizavam, como diria o velho Engels, pela brutalidade que sempre diferencia os homens dos demais animais.
Assim com tão estreitas relações sociais como as tribais e com o aparecimento de forças produtivas novas, perante um homem que quase desconhecia qualquer técnica. O aparecimento da agricultura que impulsionou todas as tribos a procura de novas terras cultiváveis aumentando esses choques periódicos inter-tribais, que já se podem chamar de guerras. E o mesmo pode se dizer da pecuária. Nessas condições faz-se nascer do seio da sociedade gentílica sem nenhum constrangimento uma forma de organização de classe, leia-se baseada na exploração do homem pelo homem, tão crua e deslavada com a sociedade escravista. Digo sem constrangimento porque perante o processo descrito essa transição é natural, pois mesmo nas sociedades gentílicas o prisioneiro vencido de guerra sempre foi um escravo. Dessa mesma maneira que o avanço das forças produtivas na sociedade gentílica fez surge uma nova forma de organização, na escravista onde surgiram as primeiras cidades e indústrias não-artesanais. Surge uma nova, pois toda sociedade gera novas formas de produção e com elas conseqüentes formas de organização e apropriação.
Proudhon numa se preocupou em compreender isso, nem o que quer que seja. Para ele essas trivialidades mundanas corrompiam demais seus planos ideais. Por isso foi incapaz de compreender as forças sociais novas que inevitavelmente levarão a superação das atuais formas da organização social. Não pode tomar partido na vida real e suas acusações contra a propriedade privada se limitavam as meras velharias sentimentalistas pequeno-burguesas. Como a que dá nome a sua maior obra “A Propriedade é um Roubo”. Como se a própria noção de roubo não se modificasse perante a objetividade das relações sociais, tendo em vista que em todas as formas da organização social até hoje conhecidas, a guerra de pilhagem sempre foi uma forma regular de comércio. Por esse, e por nenhum outro motivo, Proudhon nunca foi capaz de opor à propriedade burguesa outra coisa se não a propriedade pequeno-burguesa, não saindo assim do campo do socialismo-utópico.
Depois de perder-se em suas próprias confusões, Proudhon volta-se contra Marx e contra os demais que ele acusa de “comunistas autoritários”:
“O objetivo do comunismo foi de fazer retornar no estado todos esses fragmentos de seu domínio.
(...) Assim como um exército que tomou os canhões do inimigo, o comunismo não fez outra coisa senão voltar contra o exército de proprietários sua própria artilharia. Sempre o escravo imitou o senhor." (retirado do blog).

Nessa afirmação patenteiam-se duas coisas. Proudhon admite que o comunismo é a doutrina oficial dos escravos – leia-se escravos modernos - ao mesmo tempo que tenta dá a entender que esse grupo composto por Marx e outros, que se chamam comunistas, negam-se a propor a abolição do estado. Mas porque Marx e todos os comunistas não propuseram a abolição do estado? Se todos os socialistas levantaram essa honrosa bandeira como caminho da emancipação da humanidade, por que esses que se auto proclamaram adeptos do socialismo-científico se abstém dela? A resposta é que essa acusação de Proudhon e de seus seguidores é inteiramente falsa. Marx e todos os comunistas sempre estiveram na vanguarda da luta pela abolição do estado e em seu manifesto de partido já proclamavam:
“Desaparecidas no curso de desenvolvimento as diferenças de classes e concentrada toda a produção nas mãos dos indivíduos associados, o poder público perde o carácter político. Em sentido próprio, o poder político é o poder organizado de uma classe para a opressão de uma outra. Se o proletariado na luta contra a burguesia necessariamente se unifica em classe, por uma revolução se faz classe dominante e como classe dominante suprime violentamente as velhas relações de produção, então suprime juntamente com estas relações de produção as condições de existência da oposição de classes, as classes em geral, e, com isto, a sua própria dominação como classe.”
(http://www.marxists.org/portugues/marx/1848/ManifestoDoPartidoComunista/cap2.htm )

Antes de encerrar este texto gostaria de ressaltar outro erro que desta vez não atribuo a Proudhon e sim a Cristian. Quando ele fala em seu texto dos grupos que reivindicam a reforma agrária no Brasil como um retorno as idéias proudhonianas, está realmente certo. Mas acho que não se nota de onde decorre seu acerto. Ele vem de dois motivos.
Primeiro nota-se que, assim como a reforma agrária, Proudhon não propõe o fim da propriedade privada, e sim o fim da propriedade burguesa pela propriedade pequeno-burguesa.
E segundo que os grupos que reivindicam ambas se caracterizam pelo erro de não compreender que mesmo a mais acertada das idéias em um tempo e um local podem se converter em monstruosos absurdos, se é transplantado para tempo e local onde não encontram seu par na vida real.
Ressalto ainda que quando o caro colega Cristian fala de reforma agrária como um retorno as idéias proudhonianas logo em seguida expõe uma citação que o contradiz. A seguinte:
"Provo que os que hoje não possuem são proprietários pelo mesmo direito que aqueles que possuem; mas em vez de concluir que a propriedade deva ser repartida por todos, peço que seja abolida." (retirado do blog).






Ícaro Leal Alves, 29 de janeiro de 2009.

Um comentário:

Unknown disse...

Gostaria de registrar a satisfação de ter encontrado um artigo rico em conteúdo histórico, sociologico e principalmente crítico. Se todo governante tivesse acesso a tais informações tudo seria diferente.